Café da manhã dos perdedores


Por John Williams B.
Pensava na vida certo dia desses¹ e decidi que deveria escrever coisas menos danosas daqui por diante, talvez a ideia de orientar à busca da luz resolva inclusive as vidas relegadas às trevas da ignorância compulsiva, alguém chama ao telefone, melhor não atender, a hora é de pensar nas leituras que ainda preciso fazer, conhecidos virtuais indicam sempre as mesmas obras, todos muito copiosos, isso não me surpreende, afinal os livros da moda tendem a encher as estantes coloridas e cheias de adereços que sempre postam nas suas redes sociais para dizer qualquer a respeito de sua dita inteligência, não sei se funciona bem com quem procura encontrar naquelas lombadas algo realmente que faça sentido, talvez alguns de meus livros não sejam os mais interessantes, creio nisso sim, mas há coisas horripilantes que habitam a mente sem sede da contemporaneidade de leitores, a juventude é vampira, é zumbi, é sempre aquele mesmo tema batido e retorcido nas esquinas e casas, nada ideologicamente interessante para se consumir, é como aquela refeição de hospital, sempre a mesma sopa de frango ou aquela gelatina de sabor deplorável, outrora algumas torradas mal preparadas, mas nada que convença, não é à toa que tantos temem ficar enclausurados num hospital e cobram alta o quanto antes, o negócio é “O melhor que você faz / Deixar o Pai de lado / E foge prá morrer em paz”², Raul sabia das coisas, talvez eu tente fugir também ou não, ocasionalmente penso nas coisas grandes que podemos fazer na mínima vida que possuímos e se pensar com cautela imagino o quanto temos poder, criamos a vida a partir de nosso regozijo com um parceiro oposto que nos forneça as qualificações mínimas para funcionar plenamente, outrora pensaria nas doces tardes perdidas entre colos que jamais voltaria a ver após aquelas explosões sexuais que me custavam tão pouco, tento escrever sobre tantas coisas, infelizmente minha cabeça sempre circula por vários paraísos inóspitos e desmancha suas lamúrias entre versos enlameados de amor e pornografia  por todos os lados, a curva se faz inconscientemente e não tenho forças para reverter as pedras lançadas com força nas cabeças e seus narizes empinados com desprezo e sem felicidade para despejar por aí, miro sem querer e acerto tantos numa só oração, ainda acredito nos designíos além da compreensão, apesar de já saber duvidar por não compreender, a vida em minha cabeça é muito confusa, lia tudo que podia e deglutia da maneira que melhor fosse conveniente pra mim e meus iguais, os gritos que ecoam das guerras que sempre voltam tendem a torturar ainda mais nossa massa cefálica, hoje dói pensar numa poesia desgarrada de todo aquele ódio encharcado num dolo que cria repulsa no primeiro toque, não sei dançar e as canções primaveris soam tão acinzentadas nestes últimos anos de chumbo-sempre, alguém chega na ponta dos pés e coloca um travesseiro sobre nossas cabeças e logo não respiramos mais esse ar apodrecido que sai das covas rasas de nossos antepassados que não guardaram nenhum pedaço de verdade para nós, hoje a mentira é onipotente, monstro obsessivo invencível e claramente apaixonante. Tenho vontade de rememorar meus dias de glórias e aventuras & sei que poderá ser danoso demais, portanto sou um indivíduo aparentemente normal que teme e esconde passagens de seus diários para longe de olhos forasteiros, quem no mundo não é assim? Desconheço almas que possuam a dádiva da pureza, falta de vergonha não é qualidade, ajuda, mas não conta positivamente, outrora pensava diferente disso, tenho um livro inteiro em minha cabeça e não quero deixa-lo ir, tenho pavor de concebê-lo e o mundo o tratar como qualquer coisa deplorável que esteja fadada ao esquecimento, li bons, mas jamais descartei a incerteza, não renego minhas palavras, apenas temo quem mais sabe “Seus filhos não são seus filhos. São os filhos e filhas da Vida desejando a si mesma. Eles vêm através de vocês mas não de vocês. E embora estejam com vocês, não lhes pertencem.”³, apesar disso, assim como os filhos, os livros, poemas e pensamentos são nossos, somos egoístas e infelizmente não aceitamos perder nossas posses de maneira alguma, nossas criações submergem da lama que nos é dada, o caminho é longo e visceral, porém é falho, nossas quedas martirizam as falas e os olhares externos, cabe a nós reverter as acusações, ocasionalmente deixo a mente viajar ao som de boa música e a consciência se desprende da realidade, o fluxo de consciência atua de formas diferenciadas a cada vez que os dedos tocam as teclas do computador, hoje os velhos cadernos estão guardados entre os livros nas estantes atormentados por toda a poeira que querem jogar em mim e isso não me abate, sinto a vaidade que me acomoda enquanto me sinto fazedor de frases destinadas à leitura de pessoas combativas contra este monarca que constrói muros invisíveis que tencionam separar classes e cores e pessoas e escolhas e pactua com a ideia satânica de esconder velhas vitórias conquistadas em longas batalhas cheias de baixas, a podridão de ontem volta fortificada e nossos braços permanecem costurados nos bolsos e marquises da cidade geminada, vivemos nas ruas sem respirar o hálito da indiferença que tanto sufoca quem não constrói voz, a fala é dádiva, ódio é vírus, bocas apenas pincelam saliva sem culpa ou seleção. Os enunciados que são largados ao leu nesses tempos de informação automata-deglutível-ligeiramente são puro reflexo da importância que damos ao real valor das coisas míseros instantes de atenção e descartamos tudo sem a devida leitura-adequada-saboreável, guardamos tantos livros em nossos pendrives, hds ou cartões de memória, tudo devidamente salvo para usar NUNCA, os poemas contemporâneos nascidos de pais pobres estão fadados ao exílio dos mudos, não há leitura ou explanação, sons grotescos surgem e esmagam qualquer vontade tímida por fazer sensibilidade contaminar a cena que nos cerca. Talvez não suporte permitir a congregação de meus mundos ao patamar inverso que tratam de exibir meu perfil em bandeja aos degenerados, outrora eu inclusive estaria embriagando o corpo nestes bordéis, contudo, agora regenerado tento mutilar o passado sempre presente nas grandes elegias que faço. Talvez eu não me aceitasse escravo das instituições. A poesia da vida segue escrita entre quedas e mergulhos profundos nos labirintos perniciosos da leviandade que rebenta sagaz nas coisas do coração e isso nada pode ser mudado, minotauros passeiam sobre nossas rotas e confabulam decretar nossa solidão dos séculos, afinal vivemos tantos dias solitários, enamorados somente de nossos egos, este erro é que faz mundo sombrio logo adiante.



¹Ao som de clube da esquina nº 2
²Al Capone – Raul Seixas
³Gibran Khalil Gibran

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

SUSpirando.

Notas sobre as notas de Larrosa com atravessamentos

Igualdade entre os sexos: a definição capitalista do feminismo