Igualdade entre os sexos: a definição capitalista do feminismo


Por Ludmilla Barboza
"Feminista: a pessoa que acredita na igualdade social, política e econômica entre os sexos.”
O feminismo não é homogêneo, existem diferentes correntes, pensamentos e teóricas. Há também diferentes objetivos. Optei pelo que propõe a intersecção [atravessamento] de tudo aquilo que amarra as mulheres à sua condição no sistema capitalista no esforço de libertá-las.
Em 2012 Chimamanda Ngozi Adichie palestrou no TEDxEuston na Nigéria. Pela segunda vez, a autora havia sido convidada para o evento, dessa vez ela escolheu falar sobre o feminismo e o peso dessa palavra. Após a palestra viralizar na internet, foi adaptada e transformada no livro “Sejamos todos feministas”, um best-seller desde então. Dentre as frases compartilhadas milhões de vezes, ditas pela autora, a mais famosa e preocupante foi a definição para “o que é uma feminista” tirada, literalmente, do dicionário: "Feminista: a pessoa que acredita na igualdade social, política e econômica entre os sexos.”
Aqui, chegamos ao ponto crucial do debate feminista: o que realmente queremos?
Se alguém faz essa pergunta a uma feminista ela dirá: a igualdade social, política e econômica. Há também outra versão: igualdade de direitos entre homens e mulheres.
Os vídeos e frases virais como o da palestra de Chimamanda conceituando dessa forma a luta feminista tornaram essa definição um mantra, repetiu-se tantas vezes que tenho a impressão que perdeu seu significado [que nem sequer foi refletido de maneira séria]. Existe uma imensa diferença entre o que se fala e o que se concretiza, porque o sistema não compreende igualdade, e se aparenta compreender é para o seu próprio benefício e lucro. Mas “igualdade”, ainda assim, virou uma palavra-chave, automática, resposta fácil para um questionamento complexo.
Por isso, Angela Davis fez uma crítica ao conceito pré-concebido de igualdade. Segundo ela, quando nos referimos à igualdade dessa forma, estamos falando em tornar inclusivo o sistema capitalista, ou seja, tornar uma sociedade machista inclusiva ao incluir mulheres, mas ainda ser uma sociedade machista. Apenas assimila-se uma lógica imposta. A contradição é: fala-se muito sobre a desigualdade no capitalismo, mas ainda assim o que se busca no final é a igualdade, mesmo que nesse sistema não exista essa possibilidade. Além disso, muitos rechaçam qualquer forma mais radical da luta feminista que não enxergue nesse conceito a saída para libertação das mulheres.
A verdade é que estamos lidando com uma espécie de “jogo de palitos”, podemos salvar os que estão na superfície com facilidade, mas os outros restarão intocáveis no emaranhado da complexidade de sua situação, pois pensar em “igualdade” sem pensar em como funcionam gênero, raça e classe na sociedade capitalista é a maior controvérsia do movimento, exclui completamente o fato de que muitas não alcançam os objetivos estabelecidos. Quando se fala no assunto, pensamos em mulheres tão bem sucedidas quanto os homens e esquecemos que a maioria nem sequer tem chance. Esse jogo já acontece, e é bem nítido, podemos perceber pela celebração à mulher empreendedora, CEO, bem sucedida e, ao mesmo tempo, o apagamento da mulher trabalhadora nas rodas de discussões sobre a igualdade de direitos. E pior, para muitas dentro do movimento a inclusão de mulheres nesses cargos é uma vitória imensa do feminismo [feminismo liberal], embora essas mesmas sejam patroas de outras mulheres que sofrem não só o machismo, mas também a pobreza e o racismo.
Então sob que condição se alcançará igualdade no capitalismo? Pois não há nada no sistema capitalista que indique igualdade, uma sociedade dividida em classes expressa justamente a inexistência dela, nem mesmo os homens são iguais entre si, se desejamos a igualdade entre eles e nós, quais deles queremos ser iguais, de que cor, de qual classe?
Também quando dizemos que “todos são iguais” ao justificar o porquê as mulheres e os homens devem ser iguais, não só apreendemos o discurso estabelecido pelo capitalismo de que todos temos as mesmas oportunidades, mas apagamos a existência das vidas que comprovam exatamente o contrário. Além disso, toda problemática se resume a apenas se inserir no sistema capitalista e torcer [ou não, na maioria das vezes não] para que as outras também consigam.
Mas não conseguem.
Por isso essa definição de igualdade dada por Chimamanda e depois veiculada tantas vezes [até na música “***Flawless” da Beyoncé, em 2013] tem um fim em si mesmo, acreditar nela significa que não há esperança de libertar as mulheres sem sacrificar a existência digna da maioria delas, acreditar nela também significa que não há potencial no feminismo de construir uma nova sociedade e redefinir o que significa ser mulher e ser homem, distante dos padrões que há muito são impostos pelo capitalismo, desde sua fase primitiva. Também quer dizer que se existe “igualdade econômica” ou se simplesmente uma mulher trabalha por um salário e ganha o mesmo que o homem, ela é “igual”, quando sabemos que o trabalho as coloca em uma situação ainda vulnerável pelo acúmulo de jornadas, por exemplo. Além de sabermos que as mulheres não são iguais politicamente, pois ainda há uma pequena expressão de mulheres em governos e como figuras importantes na política, até mesmo nos partidos comunistas, se comparado aos homens.
Para que possamos todas desfrutar de igualdade entre nós e os homens, se precisará construir uma sociedade diferente para nós, e até mesmo para eles. Se o imaginário da igualdade é o homem branco, hétero e rico, eis outra controvérsia, pois é lutar para nos tornarmos o que chamamos de opressor. Pensar radicalmente é se opor a esse tipo de lógica, principalmente quando ela nos obriga a ter que escolher: se você pudesse salvar uma mulher, qual salvaria?

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