A verdade só não basta

Foto: Mídia Ninja (2013)

Por Anielson Ribeiro

A verdade nunca nos libertou. A experiência das últimas eleições, de 2018, revela muito bem esse fator extremamente deficitário na esquerda (principalmente naquela de berço universitário). Das pessoas que estão lendo isso, no mínimo, a maioria que se identifica com uma militância, se identifica com uma militância estudantil. E é uma das coisas que evidenciam o que há de sintomático em tudo isso. Ora, se empregarmos nossa lógica acadêmica como única ação política decisiva, iremos perder sempre.

Na política, a argumentação nunca foi suficiente. Muito menos, análises que enfocam na economia como determinante pra tudo e subestimam a criatividade dos políticos. Não significa, com isso, que devemos adotar os métodos espúrios da direita, como a desinformação e a mentira. Mas é preciso entender que o que nos move não é a razão, mas a força social. Por isso mesmo, tem-se que racionalizar exatamente sobre os sentimentos "irracionais" do povo. É preciso compreender que não é a notícia falsa em-si que articula o medo; é o medo que dita, em seu bojo, os enunciados da notícia.

Ao mesmo tempo, o ódio tem sido apontado como o grande vilão da política bolsonarista. O que estamos vivendo, na verdade, é o abrasamento da luta de classes no Brasil. Isso naturalmente produz instabilidades. Entretanto, muitos setores da esquerda moderada ou do centro, insistem numa política conciliatória num momento em que a classe dominante já assinou os papéis do divórcio. Na tentativa de retornar a um ponto supostamente mais tranquilo da história do país, quando a governabilidade era possível e esfriava os ânimos diante dos enormes problemas sociais, a narrativa do discurso de ódio tenta ganhar força. Mas nós somos ingovernáveis há muito tempo. E as faíscas começam a despontar.

Nós, a esquerda, é que não soubemos canalizar o ódio da nossa classe: contra a burguesia, contra o latifúndio, contra a injustiça social, contra o machismo, contra o racismo, contra a homofobia. Ao contrário, denunciamos o ódio como um sentimento impuro. Mas como diz Drummond, "o ódio é o melhor de mim". O oposto do amor não é o ódio, é a indiferença. E essa é a forma que o governo Bolsonaro assumiu perante situações como o caso Marielle, os 80 tiros disparados pelo exército contra uma família negra, o massacre em Suzanno, os mortos da ditadura empresarial-militar, o desastre criminoso dos prédios administrado pelas milícias do Rio, o crescente desemprego, a imoralidade de uma reforma previdenciária etc. Indiferença, silêncio & cinismo.

Àqueles que aderiram à estratégia do convencimento retórico jesuítico e agora se ressentem com um "eu avisei", não tenho nada a propôr. Pois essas pessoas não têm e nunca tiveram a intenção de construir uma nova sociedade, e jamais desceriam de seus pedestais acadêmicos ou de sua comodidade pequeno-burguesa; essas pessoas só querem preencher o ego com um grandíssimo e luminoso "EU ESTAVA CERTO". Mas a história mostrou que estavam completamente errados.

Aos lutadores e às lutadoras que persistem, aqui estão minhas mãos também. Não existe fórmula pronta. Ela tem de ser construída ainda, com fogo. No entanto, o primeiro passo para a consolidação de um futuro emancipatório é entender a real situação de onde vivemos, reaprender a todo instante ler o mundo e direcionar toda essa revolta já existente para os endereços certos. Mas não é, de forma alguma, nosso trabalho fazer alguém acreditar.

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