O que atravessa o autoconceito?
O esvaziamento é uma
característica latente do capitalismo, sendo notável em diversos assuntos
complexos que ganham formas mais simplistas, seja na análise ou na sua
divulgação nas redes sociais. O boom do
empoderamento, ecoando em aspectos como o autoconceito, nos aproxima de
postagens que mencionam frases como “você é linda”, “você é foda” e variantes. De fato não há
problemas nas frases, mas me pego pensando sobre como construímos o nosso
autoconceito e como somos bombardeados por questões meramente estéticas. Segundo Feist (2015), baseado em Carl
Rogers, o autoconceito diz respeito às experiências percebidas pela consciência
e os aspectos do ser.
Será que cabe pensar em um
empoderamento individual-estético quando diversos sujeitos não têm subsídios
para refletir sobre si e o mundo ao seu redor? É necessário pensar no mundo
como uma grande teia interligada e profunda, em que a percepção de si está
diretamente ligada a fatores como acesso à cultura, esporte e lazer. Como posso
ter um autoconceito elevado se a mim cabe apenas uma narrativa naturalizante e
um ensino mecânico? Quando não posso experienciar e descobrir minhas
potencialidades… o que me resta?
Imagem do filme "A Hora da estrela". |
Não estou aqui
fazendo coro com “a beleza é interior”, mas trazendo para o imaginativo uma
possibilidade de repensar posições que consistem em uma primazia individual. A
cultura-lazer-esporte nos permite possibilidades de indagações e a percepção da
criação de um sujeito ativo, agente da mudança e abre a porta para entender o
corpo como instrumento de autoconhecimento.Já nos é negado
acesso a conhecer nossa história, e talvez isso ocasione um deslocamento: a
sensação de estarmos perdidos. Então, se faz
fundamental pensar em medidas coletivas que proporcionem a mudança de
narrativa, que cutuquem nossa criatividade, que nos floresça com sensibilidade,
instigando o corpo a falar, ocupar e se descobrir. Os meios para o
autoconhecimento não estão nos coach, na autoajuda, estão na relação
sujeito-ambiente, transversais à questões políticas, à história, à sociedade, à
geografia, à biologia, à psicologia, à filosofia etc etc. Nos é negado todos os dias o direito
ao descobrimento, às experiências, à expansão do nosso ser do mundo, o direito
à criação artística, a descrição de nossos sentimentos.
– Eu gosto tanto de ouvir os pingos de minutos do tempo assim:
tic-tac-tic-tac-tic.
A rádio Relógio diz que dá a hora certa, cultura e anúncios.
Que quer dizer
cultura?
– Cultura é cultura — continuou ele emburrado. Você também
vive me
encostando na parede.
Trecho de “A Hora da Estrela- Clarice
Lispector”
Que textooooooo maravilhoso
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